Velocidade Furiosa

Há muito que a agitação na noite lisboeta não se limita apenas aos muitos bares e discotecas que existem espalhados por toda a capital. Jovens entre os 18 e os 25 anos reúnem-se às sextas e sábados para porem em práctica uma paixão comum: o prazer de conduzir. São jovens apaixonados por carros, verdadeiras enciclopédias automobilísticas, e que fazem dos “picanços” (arranques e corridas a alta velocidade) o seu estilo de vida.

Ainda que possam ser vistos como uma elite, a verdade é que são já milhares os portugueses que gostam de andar de carro e, sobretudo, andar depressa, muito depressa. Mas desenganem-se todos aqueles que pensam que estes rapazes do volante são inconscientes e demonstram uma total ausência de responsabilidade. É que eles apenas mostram as suas habilidades à noite (de madrugada), dado haver menos trânsito, e em locais que apresentem condições de segurança semelhantes às de uma verdadeira pista de automóveis: total ausência de trânsito, pessoas e habitações, sem esquecer o principal, rectas de dimensão razoável, onde se possam realizar as habituais corridas e provas de arranque, destinadas a testar a capacidade de aceleração dos carros.

Mas existe ainda alguma confusão entre street-racing (“picanços”) e tuning. Para uns o street-racing é uma vertente mais extrema do tuning, enquanto outros defendem que são conceitos bem distintos. O primeiro diz respeitos a todas as corridas de rua, ilegais, realizadas por jovens que gostam de acelerar e que, para tal, possuem carros rápidos, vistosos e transformados a nível motor.

Escapes mais largos, jantes de marca acima das medidas permitidas ou vidros “fumados” (forrados com película autocolante preta), são apenas uma forma de personalização. Por sua vez, a arte do tuning, que proporciona grandes lucros às empresas que, entretanto, se foram instalando no nosso país, diz respeito às alterações estéticas (alguns carros ficam mesmo irreconhecíveis) e sonoras, bem como às exibições estáticas das viaturas. Isto não significa que os amantes do tuning não se passeiem pelas estradas a alta velocidade e em competição com outros carros, mas a verdadeira essência deste movimento é a alteração pelo simples prazer de exibir e ser apreciado, ainda que todas estas modificações não sejam permitidas por lei.

Na verdade, se há algo de que este grupo de jovens se queixa é da constante perseguição policial de que são alvo, na opinião da grande maioria incompreensível. Dado que nem sempre é possível apanhá-los em flagrante delito de excesso de velocidade, mesmo com carros topos de gama disfarçados (BMW e Subaru Impreza), com a última tecnologia em radares, a GNR e a PSP têm de recorrer a outros meios, na tentativa de conseguirem parar os aceleras. Assim, montam operações stop de considerável dimensão, fiscalizando até ao mais pequeno pormenor, documentos e viaturas e passando multas, algumas pesadas, a tudo o que possa não estar de acordo com o livrete do veículo: excesso de ruído, causado pelo escape e equipamento sonoro, dimensão dos pneus, luzes e sirenes ilegais, matrículas, película preta nos vidros, entre outros.

Por outro lado o excesso de velocidade, apontam alguns, é uma das principais, senão a principal, causa de acidentes e mortes em Portugal. Mas a verdade é que é possível assistir a grandes asneiras a velocidades mais baixas: mudanças de direcção sem a utilização do “pisca”, desrespeito pela regra geral de prioridade (designadamente em rotundas), utilização de marcha-atrás em auto- estradas, entrada em auto-estradas em sentido contrário, velocidades reduzidas na faixa da esquerda, entre outras. É por estas e outras razões (estradas em mau estado de conservação, falta de sinalização) que Portugal apresenta a sinistralidade rodoviária mais elevada da Europa. Assim se pode verificar que as velocidades elevadas nem sempre são sinónimo de perigo e inconsciência: aliás, a 240 km/h, concentração é a palavra de ordem, pois o perigo espreita mesmo ao virar da esquina e não se pode falhar.

Também é verdade que a lei parece apenas existir para alguns. É que em nome do poder económico ou da capacidade de influência, fecha-se os olhos a infracções cometidas por membros do governo e das forças policiais – é o regime de impunidade dos grandes. Aos “aceleras”, resta-lhes continuarem a ser perseguidos, como se fossem marginais, traficantes de droga ou mesmo assassinos, quando apenas o que pretendem é divertir-se um pouco com os amigos.

É por isto que muitos concordam num ponto: a necessidade da existência de um recinto fechado, com pistas próprias para se poder acelerar à vontade, sem pôr em perigo a vida de terceiros, e sem estar a cometer qualquer tipo de ilegalidade (à semelhança do que se pratica na Fórmula 1). No entanto, os “picanços” nunca acabariam por completo: nem sempre é fácil resistir às provocações de outros aceleras em plena cidade, já para não falar da quantidade de estradas com grandes rectas (Ponte Vasco da Gama, IC16, Via Rápida da Costa da Caparica), que despertam o bichinho da velocidade em qualquer um.

Sendo para muitos um desporto, ainda que ilegal, para as autoridades policiais, o street-racing e os seus praticantes são uma verdadeira praga, um alvo a abater. Mas nem sempre é fácil: os street-racers são hábeis, persistentes e inteligentes e apenas dois motivos os fazem realmente parar, ainda que seja apenas por uma ou duas noites: condições metereológicas adversas ou problemas mecânicos. A possibilidade de apanharem pesadas multas ou mesmo ficarem sem carta não os inibe, pelo contrário faz aumentar o desejo de velocidade e competição. O risco e a adrenalina são, assim, os verdadeiros impulsionadores desta velocidade furiosa.

Autor: Ana Isabel

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